quinta-feira, agosto 17, 2006

Assassinos

"Não sou melhor que ninguém. Sei que não posso julgar ninguém. In dubio pro societa. Apenas envio-os para uma instância superior que saberá julgá-los: Deus"
Doutor de terno e gravata. Suprime a necessidade de outros dois poderes: legisla em causa própria, julga como Deus e executa. "Apenas faço o meu trabalho, não vê?" Não vi nada mais que carne humana sobre ossos de hipocrisia. Esta minha mania de dar idéia aos pacientes, ainda pode me matar.
No quiosque, fora do hospital, às 2:25 ele falava de bandidos. Professor de epidemiologia ele sabia do que estava falando, afirmava sem titubear que não havia nada melhor que o tráfico para a saúde pública: mata jovens que não apresentam ainda as cronicidades da vida e mata em alta velocidade, não sobrecarregando o sistema. Queria apenas falar da frieza da medicina quando se pensa em números. Criticam a ideologia por trás de usar a verba da Saúde para a Bolsa Família, mas poucos têm a coragem de criticar crueldade de se gastar com alta complexidade em um país que ainda se morre da doença mais curável do mundo: a fome.
Queríamos discutir política, queria ter a oportunidade de dizer que a vaidade científica e o orgulho técnico influenciava mais as decisões do Ministério da Saúde do que a busca pela justiça social. Mas a acadêmica queria ouvir histórias de heróis, fardados ou não, defendendo donselas. Eu também um dia quis heróis críticos e conscientes, quis fazer estas histórias, mas eu só vi assassinos. Tão cruéis quanto os que sustentam palácios de "excelência médica", delírios milionários da Bélgica dos sonhos em plena Bangladesh em guerra civil.
Um destes assassinos, no entanto, eu até aprendi a admirar: com orgulho de ter construído tal admiração com o sacrifício de meu próprio corpo. Pai zeloso que me entregou seu próprio filho com a recomendação: "Mostre a ele o inferno". Este é um ser superior, que cumpriu tudo aquilo que pregou, que construi valores acima do reino de hipocrisia, que lutou por tudo que acreditou, que foi libertário quando era para ser carrasco, que foi assassino quando era para ser medroso. Que de Deus só quis aquilo que ninguém Lhe pede, e recebeu a sua parte para sempre: ódio e medo de fora da caserna e desprezo de quem lhe deu a reserva; a luta e a tormenta.
Eu vi tal super-homem chorar duas vezes: a primeira quando eu perguntei "porque?", a segunda quando leu o título do meu presente: "Além do Bem e do Mal". O único comentário que fez até hoje, foi perguntar-me se o livro foi escrito há muito tempo...
Ainda tentei mais um vez: sedento de sangue, atormentado pela doença, e além do bem e do mal, eu lhe dei "Ecce Homo". Apenas para ouvir que "este tal de Nietzsche era um herege", como se matar não fosse pecado.
Mas daí eu tirei uma grande lição: pecado não é ir contra a "lei", mas criticá-la. Herege é aquele que ousa. Que desvenda a capa de ilusão que abre os olhos e vê. É preciso ser forte e bravo. Não inveje a coragem daqueles que matam, pois você não sabe a sua atitude quando não tiver outra coisa a fazer. Não é coragem fazer o que esperam que você faça.
A capa da "lei" é forte demais para ser vencida por qualquer um: é contruída sobre dor. Na faculdade viramos noite, sofremos com os professores, estudamos e decoramos sob o nome de "aprender". Como recompensa ganhamos migalhas de notas suficientes. Isto tem que ser importante! Assim é contruída a "lei", aquele que disse que isto não é importante, não é o certo, não é assim é um herege cujo destino é a fogueira, a Santa Inquisição.
No quartel, as coisas são menos sutis, mas eles te dizem o que vão fazer, como será e porque. Dão luz aqueles que podem ver, mas quase ninguém pode. Só não chamam de "dissonância cognitiva" porque militar é tudo burro, tem um nome menos pomposo: "síndrome de Estocolmo": é o que você deve fazer com o seu prisioneiro de guerra.
Quando meu pai quis que eu virasse "homem", me levou para onde os homens estão. Aos quinze anos de idade eu não pude compreender mas entendi o olhar do prisioneiro que me dizia ser mais livre que o "filho do doutor", pois era livre da sociedade que ainda me oprime, tanto tempo depois, chocava a hipocrisia reinante admitindo em tatuagem no braço: "mato porque gosto".
Coisa que o sargento do Batalhão da Caatinga não teve coragem de admitir, enquanto me mostrava toda a tecnologia do sertão: fuzil M-16 com mira telescópica, óculos de visão noturna e a caçamba do 4x4. Falava com orgulho de quem reproduz uma antiga história: "Quando o seu dotô governador pediu ao coronel que prendesse os bandidos e acabasse com os assaltos por cá do São Francisco, seu coroné foi Macho: 'Ou eu prendo os bandidos, ou eu acabo com os assaltos'"
Os urubus que sobrevoam a estrada entre Cabrobó e Nova Floresta, entretanto, sinalizam os corpos largados à beira da estrada, mas esquecem de dizer que nem ninguém foi preso nem se acabaram os assaltos. Mas a velha ordem das coisas se manteve e isto, afinal, é o que importa.
Mas para cá do rio, em Euclides da Cunha, o outro lado da guerra, o lado que sempre sofreu, não teve a mesma sorte dos Macacos High-Tech: "Eu conheci para mais de 20 irmãos meus, enterrei eu mesmo quinze. Perdi uns cinco de doença, os outro foi na ponta da faca. Eu nunca vi polícia aqui no sertão brabo. Homem que não mata aqui, morre". Reclamava, lamentando a única vez que viu a polícia: levaram sua namorada de 15 anos, que tinha matado a pedradas a ex-esposa. Me mostrando que o valor de nossas certezas pode mudar conforme a geografia.
Estas são as grades que nos prendem: o valor que damos as coisas, pelo simples fato de termos sofrido para conseguirmos.
Quando eu entrei para vê-lo, escutei o seu guardião reclamar de tédio. Na custódia não se bate em ninguém, não se mata ninguém. Eu vi o medo em seu olhar, disfarçado de ódio à medicina, como se a morte fosse, necessariamente, erro médico. Longe do fuzil fálico que sempre representou a sua vontade de poder, enfrentava agora o vazio. E hoje já não desejo mais o medo do assassino, mas a coragem do suicida. É nesta coragem que espero liderar meus pacientes.
Sid

5 comentários:

Anônimo disse...

Perdi meu tempo lendo seu blog e sei que vou perder mais ainda escrevendo.
Sou médico há mais de 20 anos e nunca tive o desprazer de ver um estudante tão idiota e arrogante como você.
O fato de você não ter capacidade de compreender a ciência médica significa apenas que você é um imbecil e ponto.
Vai estudar em vez de ficar escrevendo besteira!

Anônimo disse...

-Cara, sou médico também...
-Sua sede de ser sincero é patética. Você além de fazer uma grande anti-propaganda, faz-se como um profeta, alguém que veio para revelar a "verdade" que existe atrás da medicina. É contrangedor ver num portugês tão tacanho as expressões pré-adolescentes de um jovem médico frustrado. Sua decepções, seus medos, suas reles fraquezas, sua imaturidade, seu desequilíbrio e falta de raciocínio judicioso, bom senso e humanidade são revelados a cada linha destes textos. Vc parece fazer uma alta-piedade-terapia neste blog. Vc não só se diz, como parece pretender ser medíocre como médico, mas não, vc não está feliz... com esforço parece tentar ser um pior humano. Fico espantado como vc tem o mau hábito de responder as críticas mais lúcidas com escárnio... vc, um moleque, se vê como um Deus sendo médico... que merda ! Cara, vc é pior do que as sujeiras que vc tanto narra nestas "crônicas" escatológicas. Vc fez prova de redação no vestibular ?? Como passou ???... Sinceramente, acho que vc não deveria me responder. Pensar já seria o bastante...
Alberto

Anônimo disse...

Porra! Tu usas um título de um livro do Nietchze ("Humando , Demasiadamente Humano"), achando que estás abafando ?? Pelo visto não há uma só palavra das atrocidades de guerra vis que li aqui que se assemelhe ao que o filósofo alemão escreveu em vida. Caralho! Queres dar uma de culto e o tiro sai toda hora pela culatra. Rsrsrsrs. Desiste da medicina, cara!! Teus pensamentos não são compatíveis com o que você quer fazer. Papai vai ficar chateado se desistir do curso, mas depois ele te banca alguma outra coisa. Ah! Sou professor de filosofia na USP e aliás o q vc sabe fazer afinal ??

SIDEREUS NUNCIUS disse...

Obrigado pelo comentário em meu blog. Só que houve uma pequena confusão: o livro: "Humano, demasiadamente humano" foi escrito por Nietzsche e não por Nietchze. Este último eu não conheço.

Anônimo disse...

Sim, provavelmente por isso e