sábado, agosto 23, 2008

Em busca da felicidade

Ele me disse que queria ser feliz. Rasgou-me o fundo da alma escutar isto. Pobre e doente: fraco e aprisionado em leito, embora tão jovem, fez-me envergonhar de cada "problema" meu, ou cada vez que sofri e chorei. Tão grande o meu sofrimento que ele mesmo me consolou: o que precisamos para ser feliz?, perguntou, já mesmo respondendo: fazer o quisermos. Basta então não querermos muito, disse com um sorriso.

Eu sempre tão arrogantemente filosofo tinha que estragar tudio dizendo que os orientais diziam algo parecido com isto há alguns milhares de anos atrás, mas afinal quem está interessado em orientalidades? Mas perto de nós, na Grécia, havia um sujeito que tinha dado outra opinião, disse a ele que ao ouvir a palavra Grécia começou a se interessar... Pois eis que Epicuro já tinha sugerido, assim como ele, que a força da felicidade está mais dentro do que for a de nós.

O tal grego, então, supôs que nós procuramos sempre a felicidade no lugar que ela não está, usando uma concepção sugerida alguns séculos depois por Schopenhauer de o mundo como vontade e representação, representamos vontades como desejos que pouco significam ao serem realizados, pois a vontade que os originou ficou mantida intacta, portanto não somos felizes se apenas realizarmos nossos desejos, seremos se descobrirmos a fundo quais são nossas vontades e concentrarmos-nos nelas. Assim Epicuro reduziu as necessidades básicas da felicidade como três: ter amigos por perto, ser (intelectualmente) livre e analisar-se.

Rindo ele me perguntou porque um médico leria filósofos gregos antigos, em uma época onde a medicina é tão dominada por máquinas e computadores. Disse a ele que era para ter assunto para conversar, assim como estava fazendo com ele: era o preço que eu pagava por tudo que os pacientes me davam, a forma que encontrei de agradecê-los.

Mas a ciência moderna, que tanto faz e tantos espetáculos produz, não tinha inventado ainda uma fórmula da felicidade porque? Sorrindo disse a ele que a sua pergunta me lembrou David que na Bíblia quando Deus lhe ofereceu o que quisesse ele nada pediu que não a sabedoria com a qual todo o resto ele poderia conseguir por mérito próprio. Não lhe disse e não sei se ele entendeu, mas aquele garoto não queria da ciência a cura de sua doença, mas a felicidade. Diante de tal simplicidade o que poderíamos querer de diferente?

Disse a ele que embora tivessem inventado drogas extremamente potentes contra dor, angústia, ansiedade e depressão, livrar-se de todos estes males não garantia a ninguém a felicidade, que é conseguida com enorme esforço, basicamente procurando-a nos lugares certos.

Há sim, um grupo de pessoas que diz fazer trabalhos científicos sobre a questão da felicidade e cujas conclusões auxilia muitos a encontrá-la, é a tal da "Psicologia Positiva". É um exercício interessante interpôr-la com as idéias de Epicuro, veja só, disse a ele, a Psicologia Positiva considera que existem seis virtudes e cada uma é constituída de algumas “forças pessoais”, a saber:

A primeira virtude é “saber e conhecimento” que é constituída pelas forças pessoais de “curiosidade e interesse pelo mundo”, “criatividade e originalidade”, “julgamento e pensamento crítico”, “perspectiva e sabedoria” que corresponde a uma visão global, distanciada e madura acerca dos fatos, mundo e pessoas e o “amor pelo conhecimento”. Esta virtude está de certa forma ligada tanto à auto-análise de Epicuro quanto à liberdade, pois só quem se sente livre o é para expandir seus conhecimentos, assim como aquele que realmente os busca de coração está sempre questionando-o e às suas certezas, assim como a si próprio no processo de auto-análise.

Mas questionar-se não é angustiante, não seria melhor ter só certezas? Realmente, tive que concordar, quem não se questiona, não tem dúvidas e pode ser extremamente feliz assim cercado de um mundo artificialmente perfeito, mas, perguntei eu, o que ocorre quando o mundo foge à regra que decidimos escolher, e o mais importante, como podemos prever o futuro se nos negamos a oportunidade de conhecer todas as variáveis? Disse eu que assim como é nossa escolha a satisfação das vontades, e não dos desejos, para a busca da real felicidade, é nossa escolha ter em cada dúvida, em cada descoberta o prazer de aprender por aprender e entender o mundo para usá-lo e prevê-lo.

Outra virtude é a “coragem”, diretamente ligada à noção de liberdade proposta pelo grego, uma vez que para assumir a liberdade é preciso coragem, pois só é verdadeiramente livre aquele que transcende a moral da sociedade e as imposições do senso comum, conforme observou Nietzsche com a noção do além-homem. Neste contexto a "coragem" ultrapassa as forças pessoais de “bravura e valentia” e revela-se também através da “diligência e perseverança”, da “integridade, honestidade e autenticidade”, do entusiasmo e da energia.

Coragem eu não tenho muita, aqui é sinistro, ontem a noite morreu o terceiro desde que eu cheguei: naquela cama ali em frente... Dei um sorriso que venceu a cara de medo dele para explicar que é importante perceber que a coragem deve-ser vista como todas as manifestações de individualidade e cada ato de sobrevivência, ou seja, diante do destino forte e inevitável não seria meia dúzia de lágrimas (d)e medo que iriam desmerecer todo o conjunto do que aquele garoto sofreu, ele era, com certeza, um belo exemplo de coragem se visto no conjunto da obra: mesmo diante do pior pesadelo que um homem poderia ter ele ainda busca sua individualidade e demonstra que o pouco que ainda tem de vida vale a pena ser vivido.

A virtude de “amor e humanidade” possui óbvias semelhanças com a idéia de que necessitamos de fortes laços de amizade para sermos felizes, tal virtude pode ser construída pela utilização das forças de “amar e aceitar ser amado” que busca valorizar os relacionamentos íntimos, nutrir sentimentos profundos e duradouros e ser capaz de recebê-lo prazerosamente das outras pessoas, assim a doença pode ser transformada em uma oportunidade para a valorização das relações interpessoais, o senso de pertencimento, reatando velhos laços e aproximando as pessoas em torno de uma atmosfera de união com o auxílio também da força de “bondade e generosidade”. A construção da força de “inteligência social e emocional” é feita a partir do conhecimento de si e dos outros, empatia e sociabilidade, capacidade para perceber o estado de espírito e o temperamento alheio usando estas informações para modelar o próprio comportamento.

Para aqueles que duvidam que isto pode ser construído em um leito de hospital, bastava ver tal menino e como ele se relaciona com a população de lá: a cada um que chega porta-se como velhos amigos, não apenas parceiro de brincadeiras, mas como uma pessoa que realmente se importa e demonstra através de um contato humano que ninguém está sozinho, tornam-se mais que vizinhos, mas companheiros de luta e sofrimento.

A quarta virtude é a justiça que é composta por “cidadania, trabalho em equipe e lealdade”, condições fundamentais para a manutenção do ambiente de amizade proposto por Epicuro e que poderia ser desenvolvida pelo doente através do envolvimento dele em grupos terapêuticos, inclusive estimulando-o a levar paz e tranqüilidade a outros doentes (que serve também como a mais potente força de reafirmação positiva do otimismo no próprio paciente). Deve ser estimulada também a imparcialidade, a liderança, a justiça e a eqüidade.

A quinta virtude é a temperança, composta pela “disciplina e autocontrole” que é construída apartir da (auto)análise minuciosa de cada emoção destrinchando-a aos seus mínimos componentes e recompreendendo-a de forma a a valorizar o presente reavaliar o presente ressaltando e recompreendendo os momentos a partir da reavaliação consciente das emoções e do humor do paciente com foco de prevalescer as características de satisfação, contentamento, realização, orgulho, gratidão e perdão. Mas a temperança não é só isto também é “prudência e cautela”, que consiste especialmente em esperar que todas as informações se completem antes de agir, “humildade e modéstia”, mas não excessivamente, e a “capacidade de perdoar”, fundamental nesta fase da vida.

A última virtude é a transcendência que consiste na “apreciação da beleza e da excelência”, na “gratidão”, na “esperança e otimismo”, no “humor e alegria” em a “espiritualidade e religiosidade” que consiste em ter crenças sólidas e coerentes a respeito do propósito maior e do significado do universo, que forneçam uma fonte de conforto e uma filosofia de vida articulada que o situe em um quadro maior de transcendência.

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