sexta-feira, novembro 03, 2006

Erros e Acertos

Logo quando eu o vi sentado, suando, tremendo e balbociando palavras inteligíveis percebi que seria um tema de meu blog. Não imaginei de pronto que este seria o título, de tão acostumado que estou por apontar somente os erros, como se os acertos não existissem, esta palavra ainda me causa estranheza... Mas talvez seja o início da construção da maturidade clínica, o início da percepção de que a vida, e a medicina, não é tão simples quanto parece à primeira vista, ao começarmos a compreender os processos que levam a formação da decisão clínica começamos a entender – e a aceitar – os erros que eventualmente podem aparecer no caminho.

Erros, no entanto, não foram feitos para serem aceitos, especialmente se nascem da falta de respeito e de comprometimento com aqueles que justificam a nossa própria presença no hospital, com isto em mente, ao perceber o sofrimento do doente fui perguntar ao residente se não haveria algo para fazer para amenizar, "todos aqui sofrem, ou não estariam aqui". Ainda tentei iluminar aquela pobre alma, tentando ser mais direto: "Será que não dá, ao menos, para liberá-lo?".

Não, o paciente tinha uma febre nitidamente infecciosa, era precisa que ficasse pronto o hemograma para que se determinasse se a origem era um vírus ou uma bactéria, excluir as mais comuns e guiar o tratamento. Paguei com a língua, o residente estava certo, fazia sentido então mantê-lo lá. "Se você quer ajudar ao mundo, vá ao laboratório e pegue o exame dele, é um bom começo." Fui.

Quando cheguei ao laboratório os exames estavam prontos: um teste rápido para HIV e um hemograma. Bom, eu espera mais, algumas sorologias, mas o hemograma nitidamente representava uma infecção de origem bacteriana, o que então justificava a clarividência do residente em não pedir mais nada. O cara é bom mesmo. Infecção bacteriana, cujo foco ele já havia me dito que não havia encontrado, supondo eu uma anamnese e um exame clínico bem feito, fiquei curioso para saber quais seriam os próximos passos...

Nestes momentos as realidades vão se formando em nossa mente para construir uma representação realmente funcional do mundo. A verdade em si, jamais saberemos, uma vez que o que guardamos é sempre uma interpretação dela: o que é era absolutamente certo agora, pode ser o erro mais absurdo daqui a pouco, para pouco depois tornar-se obviamente correto. Ao retornar, entreguei-lhe o resultado do exame e, após mais alguns minutos de espera, chamou o paciente e disse-lhe: "O resultado do senhor mostrou uma infecção bacteriana, mas ela é oportunista, o mal do senhor é uma infecção viral escondida, a qual não podemos fazer nada, o senhor volte para casa, Tylenol de 6/6h e espere melhorar".

Quase caí para trás, não era possível aquele médico que eu estava começando a admirar tivesse feito o paciente esperar tanto tempo por um exame que ele simplesmente não iria dar o menor valor. Eu tive perguntar, afinal me parecia um absurdo. "Esperei o exame de sangue para ter uma noção do estado paciente. Embora eu não tenha medido a temperatura dele, os resultados, você pode ver, indicam uma pessoa saudável submetida uma infecção que ainda nem é tão grave ainda. Como eu não encontrei o foco da infecção bacteriana eu não posso tratar algo que eu desconheço, portanto, não nos resta outra chance além de dizer para o paciente voltar para casa e , ou esperar que o foco apareça para podermos tratá-lo, ou esperar que a infecção se resolva sozinha, graças ao sistema imune do paciente que é plenamente competente." Esta é uma explicação plausível. Certo, minha admiração voltou.

No almoço, fui gabar-me aos colegas do que eu tinha aprendido. Que alguns absurdos não eram tão absurdos quando analisados e que não devíamos sair criticando tudo que os médicos fazem, antes de no mínimo permitirmo-nos a experiência. Eu estaríamos comportando-nos igual aos "leigos", aquela racinha desprezível...

"Bela visão. Mas alguns absurdos ainda assim são absurdos". Disse ele, cuja opinião certamente não era só para ser levada em conta e sim, na maioria das vezes, seguidas à risca. Voltamos à velha questão do que é certo e o que é errado. Um paciente que vai e nunca mais volta, não sabemos o que houve com ele, se ele morreu atropelado ou se ainda vive, curado. Ou se foi a farmácia, comprou AMOXIL e curou-se no dia seguinte. Jamais saberemos. Mas existem algumas coisas que podemos saber, disse ele, entre elas que o foco da infecção não precisa ser visível, mas pode ser subentendido pela clínica ou pela anamnese, será que um exame físico de um paciente febril em que sequer a temperatura foi medida foi realmente completo?

Devemos imaginar também que nem sempre a febre resolve-se por si só, pode lesionar as valvas cardíacas antes disto. E ainda completou em tom trágico: "Ele quer um foco? Ele pode ter um foco daqui a três dias: o sangue todo de um paciente em sepse"
Mais uma vez vemos que o certo é certo e o errado é errado, dependendo de quem vê, analisa e do que esta pessoa quer acreditar. Qual atitude eu tomaria? O que eu faria? Uma coisa é certa: exame clínico completo e boa anamnese, assim como canja de galinha, nunca fez mal a ninguém. Muito menos bom senso.

Sid

2 comentários:

Anônimo disse...

I inclination not acquiesce in on it. I over warm-hearted post. Specially the title-deed attracted me to be familiar with the sound story.

Anônimo disse...

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