segunda-feira, fevereiro 09, 2009

Deuses e semi-deuses

Obrigado Mario Sérgio... Precisava de um estímulo para voltar... Ou dois...
Um foi o seu e o outro foi a observação de que para quem nunca errou, deve ser extremamente doloroso aguentar erros dos outros, por mais insignificante que eles sejam. ou pelo menos foi o que me pareceu quando assisti, como um expectador involuntário, o show que se dava em minha frente tão logo percebi que tinha entrado na enfermaria errada, ou melhor, como eu acabara de descobrir, aquilo era um ambulatório que cada vez ficava mais parecido com um picadeiro. Mas antes que ficasse exatamente igual vi que era hora de sair, pois já havia palhaços demais.

Eu já tinha ouvido berros assim antes, em outras situações que me pareceram cabíveis e inseridos em uma didática coerente: aprender a pensar rápido, certo e sem hesitar, sob qualquer estresse, aprender a ter certeza e segurança do que se faz. Considerando que didáticas semelhantes buscam resultados semelhantes, mesmo que inconscientemente, eu me perguntei a que interessa tal treinamento a médicos?

Tudo bem, existem os emergencistas, aqueles que precisam lidar com o nervosismo dos parentes, a falta de sono, tudo mais do que se poderia supor que fosse exigido de combatente e ainda seguir o protocolo. Talvez pudessem argumentar que ninguém sabe o futuro de ninguém, o professor não pode adivinhar quem estará na tranquilidade da clínica comunitária, quem estará na ansiedade da emergência cirúrgica. Mas eu acho que existem outras explicações mais interessantes.

Uma primeira poderia dizer a respeito da construção de uma mudança realmente substancial no comportamento dos aprendizes: a dificuldade em conseguir chegar à meta determina o valor da meta, e não o contrário, assim em um processo de dissonância cognitiva vamos construindo a nossa personalidade baseada no esforço, real e aparente, e em imagens e valores que assumimos como ideais pelo simples fato de que nos parecem como o único caminho possível à meta. Ou seja, depois destes seis longos anos, estamos cada vez mais parecidos com aquilo que o status quo dominante determina que é um "médico" do que com aquilo que éramos. Para alguns talvez isto seja bom, para outros não tenho certeza.

Uma outra explicação, que não nega mas apenas complementa a primeira, seria que as pessoas buscam profissões, e formas de agir, que melhor se adequam à sua personalidade, ou seja, só uma coisa é melhor que um título de "doutor" para quem não se acha lá grandes coisas, um título de "professor doutor", um palco e um aluno...

Assim, enquanto alguns se convencem que este é o único e possível método para garantir a hierarquia (entre alunos, residentes, enfermeiros etc) e assegurar o aprendizado, outros se encaixam nele como uma luva. Claro que alguns contestam, contestam até mesmo a necessidade de uma hierarquia, mas estes não estão na academia, não formam novos médicos.

Eu disse que já vi tudo isto, mais jovem e mais tolerante. Não que isto me assuste nem me revolte, ainda prefiro a paz que o reconhecimento da razão. Mas me decepciona. Decepciona não pela didática em si, mas porque até agora ninguém disse algo que me disseram na caserna: que eu não estava lá para provar nada, mas para ser um profissional.

Só falta isto. E descer a terra junto dos mortais.
Talvez tudo torne-se até mais divertido... (mas quem precisa de diversão?)

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