domingo, junho 15, 2008

Vícios privados, virtudes públicas

O que afinal eu estava fazendo lá?

Esta é uma pergunta que sempre mereceu de minha parte respostas evasivas, mas afinal, o que me atrai ao feio,sujo, pobre e fedorento? Claro que eu poderia vir com um papo de Madre Tereza de Calcutá e dizer que estou lá apenas para ajudar e aliviar o sofrimento do mundo, mas esta conversa não convenceria nem a mim... Ou talvez eu esconda de mim mesmo uma causa secreta machadiana, um prazer sádico de ver e conhecer o sofrimento, talvez...

Isto me ocorreu em mais uma Visita Domiciliar, algo tão de rotina como simplesmente não poder fazer nada, tínhamos ido lá só para constar e para cumprir um papel burocrático e lá encontramos uma mãe pobre que ama os filhos como eles são, um irmão carinhoso como eu nunca tinha visto antes e uma família que eu não gostaria de marcá-la por simples detalhe, mas por todo um contexto e pela força de uma mulher que aguenta a vida de teimosa suportando com paciência o que não pode mudar, e com o amor a sobrecarga daqueles que só podem contar com ela.

Eu teria muito o que aprender com ela, talvez a VD tenha sido curta demais ou eu não tivesse a humildade de deixar que ela me ensinasse, mas algo me fez pensar muito naquela criança, o irmão mais novo. Sei que não é um fenômeno assim tão raro, e que está envolto em teorias que a esta altura do campeonato eu deveria conhecer de cór, mas o próprio desconhecimento de suas causas foi o que me fez pensar nas minhas.

O pequeno detalhe que me me originou as comparações foi o garoto mais novo insistir em automutilar-se, beliscava de forma repetida o ombro oposto e a coxa do mesmo lado, que já possuíam a pele calejada e diferenciada embora a mãe amarrasse um pano em seu punho para evitar este comportamento. Mas o que levava este menino a isto? Uma resposta, talvez nem tão possível e nem tão provável cujo valor pode estar restrito a este texto apenas, seja a presença da dor em si.

Eis que talvez se não for sádico, me concedo a desculpa de ser masoquista. Eis que a vida é um aprendizado, afirmação que vista de um enfoque mais prático do que filosófico nos leva a pensar na maneira como inseridos em um mundo que em muito independe de nossa vontade precisamos, a fim de justificarmos a nós mesmo a nossa presença e a necessidade de interagir com ele, sentí-lo, cada vez mais e cada vez mais intensamente.

Todo sofrimento deste mundo seria, como querem os budistas (eu não seria tão radical), criação do próprio sofredor, seja a partir de interpretações peculiares de fatos específicos da vida, seja através da busca por emoções cada vez mais intensas, entre elas, a dor. Teoria, exceções a parte, que não parece tão estranha a ninguém, ou não teria durado tanto tempo. Mas o que nos leva, então, a gerar todo este sofrimento?

Por mais contraditório que pareça, é a necessidade de me sentir vivo, seria o que me faz ir em busca do sofrimento, são as emoções que dão um sentido a nossa vida e, acreditem, a dor, por pior que seja, é muito melhor que o vazio. Em mim, talvez, uma incapacidade intrínseca à empatia, uma profunda anestesia emocional me fez aumentar, como um viciado, cada vez mais a minha dose, cada vez mais a minha necessidade de ver e sentir a dor.

Como um viciado. Quem afinal não tem vícios? E o que, afinal, melhor para a estética do nosso eternamente improvisado roteiro que expomos dos nossos personagens do que transformar estes vícios privados em virtudes públicas?

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