sexta-feira, janeiro 20, 2006

Dor que anda

"Tratar dor que anda é foda..." Me disse com pausa para as tragadas. Médico da família e comunidade, era a terceira ou quarta paciente com a tal da síndrome de Munchausen, doença em que o paciente inventa sintomas. Enquanto andávamos entre as casas nas visitas domiciliares, ele sempre me perguntava: "Como é mesmo o nome do tal alemão?"
Isto me veio a cabeça enquanto ele falava no refeitório. "Minha profissão é curar, e aturar, os traumas psíquicos e sexuais dos outros. É isto que eu faço, curo traumas. Quase nada é físico, e mesmo quando é, o trabalho é sempre de amenizar os problemas mentais. Está tudo na cabeça."
O outro cortou o assunto, para amenizar o ton sarcástico, dizendo que doutor fulano de tal, tinha verificado que na grande maioria dos seus pacientes a raiz dos problemas era psicosomática, esta observação o fizera abandonar a clínica e especializar-se em psiquiatria, hoje tinha grande sucesso na psicanálise. A ironia tomou ainda mais forma quando não me segurei e perguntei a especilidade: "ortodontia".
Risos à parte, hoje penso que não deveria ser tão engraçado. Vejo que certo mesmo era o tal doutor fulano de tal, pois se nos propomos a amenizar o sofrimento dos pacientes, não nos cabe nenhum juízo de valor sobre a origem do sofrimento, nos cabe apenas cumprir a função que nos propomos, e que os médicos juraram cumprir: curar. Qualquer sofrimento é psicológico, uma vez que sua origem, somática ou psicossomática, precisa ser avaliada pela psique antes de ser considerada sofrimento, e o que o paciente nos traz, é simplesmente a sua interpretação particular do que ele percebeu. O que interpretamos com a nossa visão e enquadramos em uma doença patologicamente definida. Este é o ponto em que forçamos para que se encaixe no que queremos o que nem sempre coincide com o que realmente é. Assim fulano de tal é que demostrou sabedoria e humildade: teve a rara coragem entre os médicos de dar valor ao tão desprezado sofrimento psíquico, tirando a necessidade de ser somatizado para que seja valorizado e recebe a devida atenção. Mas porque é tão difícil ter esta coragem?
É por isto que qualquer curandeiro quese preze tem um histórico de cura acima da arrogância médica. Por que nos é tão difícil admitir que as substâncias ultra-científicas que idolatramos podem ter efeitos placebo como qualquer reza? E por ser menos tóxica talvez a reza ainda seja melhor. Por que veneramos os "anos de estudo" que tivemos, quando eles nos obscurecem a nossa visão de que grande parte dos sintomas podem er origem psicossomática? Por que insistimos a tentar adaptar os pacientes aos livros ao invés de permitir que sejam quem realmente são? Assim talvez seja mais fácil o diagnóstico e a cura.
Quando teremos a humildade de aprender com os curandeiros? Eu quero curar, seja o que for.

Um comentário:

Anônimo disse...

-Vai ser burro assim lá PQP !!!