sexta-feira, janeiro 20, 2006

Culpa

"Eu tenho que pelo menos ir em casa pegar umas roupas."
"Você não vai a lugar nenhum."
"Você não vai sair deste hospital enquanto não estiver curado. Você tem leucemia, de forma que eu nunca vi antes, em quase 20 anos de prática médica."
Ele não pode aguentar o choro, acho que ninguém nesta situação poderia.
"É culpa minha... Eu não deveria ter tomado aquele remédio... Não deveria ter pintado a casa... Minha esposa também ficou insistindo..."
"Pare aí. Ninguém tem culpa de ter leucemia."
"Ninguém tem culpa de ter leucemia"
Uma frase de efeito que me pareceu extremamente poderosa na situação, e que não saiu da minha cabeça.
A nossa relação com a culpa é curiosamente poderosa, acho que deriva da crença de que se algo vem antes de outra coisa, deve ser sua causa, dependendo para isto apenas que façamos uma correlação. Acho que já disse isto quando comentei o behaviorismo, mas o que me interessa aqui é o processo pelo qual racionalizamos a doença. Me parece óbvio que para a doença "existir", ou seja, nos incomodar, precisamos racionalizá-la. Precisamos "inserí-la" no mundo, no mundo que construímos. Isto é poderoso, e importante para o médico conhecer, ou pelo menos ter ciência destes fenômenos, pois, se racionalizamos a doença, também racionalizaremos a cura e, voilá: temos o efeito placebo. Que deve ser nosso aliado, um importante aliado.
Isto parece ser uma vantagem dos curandeiros, pagés etc... Eles estão totalmente integrados ao paciente, a sua cultura e suas crenças. Penso que a sociedade em que vivemos não pode ser separada da forma como enxergamos a doença, como a doença se manifesta e como a expressamos, este último fator não pode ser negliqenciado, pois, às vezes parecemos esquecer que é a única, ou quase única, ferramente para o diagnóstico, é o sustentáculo da anamnese. Cabe aqui o porém, que um "curador" de outra cultura pode carregar uma áurea de magia ou poder que pode gerar um eficiente efeito placebo também, mas isto já é outra questão.
Assim temos a medicina holística: ela deve envolver o paciente como um todo, ou como querem nas provas da faculdade: biopsicosocial. Mas isto não é considerado, a não ser pelos curandeiros tradicionais, que não vêem a doença que não integrada na sociedade. Eu busco ser um médico holístico, este é o meu ideal. Mas os médicos "holíticos" que eu vejo por aí não são (necessarimente) bons (ou maus) médicos, são mentirosos.

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