terça-feira, junho 07, 2005

Como ser um campeão do mundo

Hoje fiquei acompanhando a equipe de enfermagem na pré-consulta pediátrica.
Não sabia que havia este tipo de coisa.
Ao contrário da consulta médica, e bem diferente de um hospital de grande porte, a porta fica aberta. Isto para mim soou estranho. Mais estranho tem soado o meu estranhamento. Por que fechar a porta? Por acaso alguém que estaria lá fora é alguma ameaça? Tudo bem que em certas consultas, a privacidade é essencial. Mas em outras não.
A relação entre as mães e a enfermeira pareciam ser as melhores possíveis, o que me fez lembrar a importancia deste profissional. E o valor que devemos dar a eles. Os pacientes dizem ao enfermeiro (ou ao agente de saúde) coisas que não diriam ao médico. Algumas vezes porque o médico não lhes dá entrada. Talvez os médicos os temam. Gente pobre e feia dá medo.
Um exemplo foi dígno de nota: estávamos pesando e medindo um garoto, quero dizer: a enfermeira o pesava, eu apenas brincava com ele, quando me entra uma médica. A mãe do garoto fala para a tal doutora: "Você, por acaso, se chama Luiza?". Sem resposta. Pacientes, muitas vezes são invisíveis. Outra tentativa, desta vez mais enérgica. A resposta veio em um tímido "sim" que mal pode esperar para ser emitido ainda enquanto a doutora estava na sala. Gente pobre e feia dá medo. Espero aprender a lidar com este meu medo.
Depois veio a mãe do garoto hiper-ativo. Me pareceu narcoleptico. O neurologista receitara neuleptil. A mãe estava preocupada, o garoto antes não prestava atenção as aulas pois era hiperativo, agora ele simplesmente não conseguia ficar acordado. Isto deu motivo sufiente para o psicólogo condenar o médico. Não acho que vá haver vencedor nesta briga. Também não me pareceu que a melhor estratégia farmacológica seja esta. Mas, lembre-se que estou no SUS. Nada aqui é o melhor. Mas havia algo de errado. O garoto, de 7 anos, acusava os pais de o espancarem e o drogarem. Drogar, bom, davam o neuleptil para ele. Quanto a espancar eu pedi para ver as marcas. Não havia. Ele disse que foi há muito tempo. A enfermeira disse que sempre ele dizia a mesma coisa, mas nunca percebera marcas. O garoto deve estar sofrendo muito, ninguém inventa uma história destas à toa. Perguntei se foi investigado desde o problema da moda, abuso sexual, até outros tipos de sofrimento, como morte ou traumas na família. Não, era mais um. Neuleptil nele e ele não pertuba mais. Embrulha e manda.
Havia um armário de medicamentos com a enfermeira. Alguns deles controlados. Perguntei para que serviam. Pergunta imbecil. Para dispensar, ora. Para pacientes? também. Uma faxineira entrou na sala. Disse que tinha dor de cabeça, estava brigando com o marido e não dormia. Novalgina e Dalmadorm. Para que se apurrinhar indo ao médico. Afinal, quem você acha que ganha amostras grátis, disponibiliza em um armário de vidro aos cuidados da enfermeira? é claro que diagnosticar e receitar são atos médicos. Alguém duvida? Ou por que você acha que a faxineira do posto de saúde não procura o médico?
Pacientes são invisíveis e dispensáveis. Especialmente os do SUS. Neuleptil, benzetacil, quadriderm... Rápido e simples. Para que um diagnóstico apurado?
Doutora Plata eu ainda não tive oportunidade de conhecer. Ainda não faltei nenhum dia ao posto. Eu vi a enfermeira remarcando seus pacientes. Era o quarto plantão que não aparecia. Desta vez era asma. Coitada. Doutora Sônia, chega sempre sorridente, brincando. Atende todos os seus pacientes e eles a adoram. É uma das únicas que cumpre o seu horário de maneira razoável. Trabalha das 13:00 às 18:00. Chegou no posto 16:20. Quando eu saí às 17:00 ela atendia o seu último paciente. Médica exemplar.
A enfermeira esta revoltada. Acabara de ter uma reunião. Será instalado um cartão de ponto (para a equipe de enfermagem, claro) e o horário deles, que antes era até as 16:30 quando não são mais aceitos pacientes, salvo emergência, será extendido até as 18:00. A médica, chefe o posto, disse que "quem não quizer trabalhar" pode colocar-se à disposição. Ainda bem que tem gente que não precisa.
Médicos são tratados diferente. Quem não se sentiria diferente?
Acho que um dia terei que administrar um PSF. Pelo menos assim espero. Sonho em liderar um. No quartel o sargento me ensinou a diferença entre liderar e administrar (na minha opinião o Sgt Dorneles não fazia uma coisa nem outra, mas tudo bem). Eu pensei no Flamengo. Sou muito novo para saber se esta história é verdade ou não. Mas me disseram que o Flamengo só foi campeão do mundo por que o Zico, que era o melhor jogador, era o primeiro a chegar nos treinos e quem mais se esforçava. Talvez o time tenha ganho pois tinha um líder.
Sid

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