sexta-feira, janeiro 20, 2006

O sutra do sofrimento

Um título bastante presunçoso, mas uma das grandes vantagens do anonimato é justamente me permitir ser arrogante sem me importar com a "minha imagem" frente a patrulha da falsa modéstia. Mas a arrogânci aqui neste caso mostra a sua face mais incoveniente, pois não sei mais sobre a filosofia oriental do que aprendi em manuais de auto-ajuda e do consegui obter na base do "ouvi dizer", entretanto este título me pareceu conveniente uma vez que o que pretendo comentar é justamente um comentário sobre uma situação ocorrida e não a filosofia indiana (?) em si. Poderia se chamar "chiquinho" também, pois esta é a história de sua curta vida, mais precisamente a única demonstração que teve de carinho e atenção, fato pelo qual os envolvidos deveriam estar felizes por terem deixado esta pobre alma (?) ir com sentimentos menos ruins deste mundo.
Ela quase atropelou a pequena bolinha de pelo que saltava em seu caminho. Como recusava-se a sair da frente, foi obrigada a parar. Como parou, sentiu-se obrigada a socorrer. Desde então foram três dias de cuidados intensivos, corridas a veterinários e preocupações constantes. E também brigas. Realmente não era conveniente mais um cachorro na casa. Não e não.
As brigas perderam o sentido na manhã do quarto dia. Chiquinho, nome dado em homenagem a São Francisco, a quem foi atribuída a culpa por toda a situação, não resistiu mais uma noite e parou de respirar justo no colo dela, embrulhado em um cobertor que já assistira uma morte anterior, uma parente distante que não resistiu ao câncer. Isto ocorreu em Um dia frio e chuvoso, talvez para que parecesse que todo o universo chorava pela morte de Chiquinho.
Enquanto todos tentavam consolá-la, demonstrando que a vinda e a ida de Chiquinho representava um caminho necessário de percorrer por ambos e que disto deveria ser retirado grandes lições para a vida, ela chorava. Obviamente sofria.
Alguém então lembrou as quatro verdades do budismo:
1- O sofrimento existe.
2- O sofrimento possui causas identificáveis
3- Identificando as podemos eliminá-las
4- Eliminando as causas, eliminamos o sofrimento.
Este mesmo alguém lembrou que o caminho para a iluminação passaria pelo conhecimento e aplicação destas verdades, livrando o homem assim do sofrimento. Não deveria haver sofrimento no Nirvana.
Simplesmente não adiantou. O sofrimento continuou e, aparentemente, não havia nem o interesse em eliminá-lo. Uma recusa formal a se atingir a iluminação? E isto seria essencialmente ruim? Seríamos obrigados a seguir os caminhos dos grandes mestres?
Pode ser. Mas recapitulando a históia eu me lembrei de um mestre budista que, ele mesmo, disse que não queria ir ao Nirvana, simplesmente por que lá não haveria limões. Limões, por serem amargos não deveriam ter espaço no reino da perfeição. Ele gostava de limões. Assim como achava que tornaria-se um homem, e um budista, mais feliz e realizado se, em vez de buscar a auto-realização egoísta, ficasse neste mundo lutando pela salvação de todos.
Acho que no fim de tudo ela, e seu sofrimento, estavam com a razão. Pois, no fim de tudo, acho que posso concluir, ciente das limitações da linguagem, que existem (pelo menos) dois tipos de sofrimento: um que deve ser evitado, pois nos impede de agir e de seguir nossa principal meta na vida: a felicidade, nossa e daqueles que nos cercam, que me parecem interdependentes. Mas a outro, que contribui para a evolução, que ao invés de impedí-la de agir, motivou-a, inclusive a pensar sobre a sua própria vida e a construir uma bela sepultura a Chiquinho, carregada de desejos (expressos) de que todos os seres vivos sejam respeitados e protegidos. Talvez a grande parte deste sentimento deveríamos chamar de empatia. Algo que eu sinto falta em muitos médicos e talvez até em mim mesmo. Algo que eu deveria lutar para ter. Isto talvez porque insistimos em confundir os dois tipos de sentimento. Chiquinho portanto deixou esta lição e levou a ela a seguir à risca o conselho de um médico muito famoso: endureceu, mas não perdeu a ternura. Nem a empatia.

Um comentário:

Anônimo disse...

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