quarta-feira, agosto 03, 2005

Playstation

Como se não tivesse nada melhor para fazer, resolvi brincar um pouco - e ir jogar Playstation.
Tomei um susto quando reparei que o brinquedo não estava ao lado da cama, ao invés disto ele estava olhando pela janela. Chorando.
"A Juma morreu" "..." "Quando eu estava no CTI. Minha irmã só me disse agora."
Ele tinha sido um homem forte. Mestre de obras. Imaginei um gigante aos berros com a peãozada. "Filho da puta! Tu não sabe nem virar cimento? Tem merda na cabeça!?" Mas ao invés disto, eu tinha na minha frente um ser magro e frágil, apesar de alto, que chorava até vendo novela. Gostava de conversar comigo, mas só sobre o que tinha lhe acontecido, fisiologicamente. Quando eu tentava mudar de assunto, falar sobre outra coisa que não o seu deteriorado corpo ele mudava de assunto. "Aqui no hospital a gente não sabe o que está se passando lá fora."
Percebi rápido que o erro era meu. Só se pode falar - e pensar - sobre o que está em nossa mente. A vida dele se resumia ao hospital. A minha não. É preciso que se compreenda isto, mas é tão difícil! O único referencial que possuo é a minha própria mente, que eu vejo recriando as mentes do paciente mas baseada na única coisa que ela se pode basear: a nossa própria mente. Acho que tenho que procurar sentir mais e analisar menos. Não por razões esotéricas, mas por que a análise só pode ser feita sobre conhecimento prévio. Sentir eu não sei. Não custa nada tentar.
Tento também, às vezes, imaginar a minha imagem na mente dos outros, construída a partir do pouco que eles percebem de mim. Faço então o jogo inverso: lembro de quando briguei e quando chorei. Quem só viu uma parte acharia a outra contraditória. Assim compreendo melhor ele. Frágil. Mas que sempre cultivou nos outros a imagem de forte, mas nem isto agora consegue. Se já não é mais o mestre, só lhe restou agora o papel de doente. Sobrando-lhe como única forma que se relacionar com o mundo - e até mesmo de ver o mundo - o papel de paciente. A espera da morte. Juma foi mais rápida. O próximo seria ele.
Me lembrei do meu avô cujo único sorriso à beira da morte foi ao ver o Leão. Filhote, com o rabo abanando e querendo morrer. Quem não sorri para um filhote? Por que Juma não pode ir lhe visitar como toda a família pode?
Sid

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